Janeiro/Fevereiro de 2025 (Bimensal)
Editorial
Fazendo jus à nossa dualidade e ambivalência identitária, aqui vão os nossos votos de um excelente ano de 2025 que agora se inicia, espreitando logo de seguida a “janela”que se vai abrindo para a celabração do Ano da Serpente do novo ciclo lunar com o nosso Kun Hei Fat Choi antecipado.
Em 2025, continuamos na senda de tentarmos melhorar a nossa forma de comunicar com todos os «amigos» de Macau (sócios e não sócios da nossa Casa), procurando direcionar a nossa Newsletter (Boletim) para um espaço de divulgação genérica do público em geral.
Neste sentido, procurámos introduzir algumas rubricas regulares que dão a conhecer melhor os propósitos da Casa de Macau, partilhando assim o nosso “patrimómio intangível” com os nossos leiitores e a sociedade em geral.
Deste modo passámos a introduzir bimensalmente um retrato de Macau visto por um dos nossos sócios, dando espaço para que a perspectiva e a visão
individual seja também um retrato da caracterização singular de Macau.
Por outro lado, não quisemos deixar de lado a apetência que os nossos associados, e não só, têm pela nossa gastronomia, pelo que, iremos também regularmente falar de um prato à nossa escolha da nossa vasta oferta gastronómica.
A esfera da literatura é, sem duvida, um dos marcos da singularidade de Macau, ao longo de séculos, esta terra tem-nos oferecido vários nomes notáveis que, ora localmente, ora universalmente, são referências da beleza literária da língua portuguesa, o que nos leva a divulgar regularmente um poema por nossa conta.
Por fim, apostámos na continuidade de dar a conhecer algumas das peças e livros que podem ser vistas ou consultadas nas nossas instalações.
E para que não esqueçamos o passado, mantemos a divulgação da galeria dos sócios fundadores como forma de expressar a nossa gratidão pela sua contribuição para o bom nome da Casa de Macau.
Retomando a nossa abertura ficam então os votos de um Kun Hei Fat Choi para o próximo dia 29 de Janeiro 2025. A Casa de Macau vai celebrá-lo no Restaurante Mandarim (Casino Estoril) no próprio dia às 19:30h. Apareçam e juntem-se a Nós.
Carlos Piteira Presidente da Casa de Macau
O Ano da Serpente
Ano Novo Chinês 2025: o Ano da Serpente
Por: Adriana Di Lima
O Ano Novo Chinês 2025 é o Ano da Serpente, com características do elemento Madeira com sua polaridade Yin. Neste artigo, relatamos as previsões para este Ano da Serpente.
O Ano Novo Chinês tem sempre duas datas. A primeira data, vista pelo calendário lunar, ocorre no dia 29 de janeiro de 2025. Essa data é importante para a agricultura e marca as celebrações populares de Ano Novo na China,
fundamentais para sua identidade cultural, como os tradicionais festivais e rituais que estimulam as boas intenções para o novo período.
A segunda data do Ano Novo Chinês é 03 de fevereiro de 2025, seguindo a referência do calendário solar. Para a Astrologia Chinesa, neste dia, o Sol passará pelo 15º grau do signo de Aquário, oferecendo uma precisão maior do que o calendário lunar. Por isso, a Astrologia Chinesa Ba Zi e o Feng Shui
Tradicional Chinês consideram o dia 03 de fevereiro como início do Ano Novo Chinês da Serpente.
No zodíaco chinês, cada ano está associado a um dos doze animais (os signos chineses) que compõem um ciclo de doze anos.
Cada signo tem suas próprias qualidades e traços de personalidade que influenciam as características das pessoas nascidas nesse ano, além de indicarem as principais energias e previsões para cada ano.
Assim, seguindo o ciclo, o Ano Novo Chinês 2025 tem a energia da Serpente. Sinônimo de sabedoria, estratégia e intuição, este signo é conhecido por ter uma mente aguçada e pela capacidade de tomar decisões rápidas e eficazes.
A Serpente destaca-se, ainda, pela perspicácia e pelo poder, com um ar misterioso que exerce influência nas ações. Além disso, manifesta-se nas filosofias e nas artes, operando como formas de expressão. Todas essas características se refletem-se nas previsões no próximo ano.
Previsões do Ano Novo Chinês
A Serpente traz uma energia de introspecção e reflexão para o Ano Novo Chinês 2025, incentivando todos a explorarem seu eu interior e a buscarem novos conhecimentos. Diferentemente do expansivo Ano do Dragão que tivemos em 2024, a elegância apresentada pela Serpente pode encantar a nossa percepção, fazendo-nos pensar que as coisas estão mais tranquilas ou sob controle. Mas isso pode ser uma ilusão, já que podemos a ser controlados por esse encantamento de energias externas sem perceber.
A Serpente também traz um desejo inato de liberdade intelectual. Por isso, as pessoas serão impulsionadas a questionar normas e tradições, desafiando o status quo em busca de novas referências. Além disso, a intuição, uma das características mais marcantes deste signo, será uma aliada poderosa, ajudando a guiar as decisões e a traçar os caminhos que estejam mais alinhados com os valores pessoais.
Relacionamentos no Ano da Serpente
Esse ano também é uma oportunidade para fortalecer as conexões interpessoais. A Serpente, embora muitas vezes associada à solidão, também reconhece a importância das relações significativas. No amor, há grandes chances de relacionamentos serem fortalecidos com a abertura para o
conhecimento do novo. Mas sempre a partir da capacidade de cada um de se conhecer e entender que a vida é movimento.
Trabalho e dinheiro
Com a estratégia e análise perspicaz que a Serpente oferece, as maiores oportunidades na carreira e nos negócios poderão surgir a partir dessa dinâmica. Se conseguirmos alinhar a energia do ano com as nossas ações, os resultados tendem a ser muito mais positivos e com menos esforço. Além disso, poderemos manter a vitalidade para dar conta de toda a demanda e desafios que devem surgir.
Saúde no Ano Novo Chinês da Serpente
O novo ciclo pede foco no autocuidado e equilíbrio emocional. Com a energia da Serpente, as pessoas são incentivados a adotar abordagens mais holísticas para cuidar de si, equilibrando corpo e mente ao longo do ano. A introspecção e a reflexão pessoal estarão em alta, permitindo que as pessoas identifiquem o que realmente beneficia sua saúde física e mental.
Mundo
A energia do Ano da Serpente pode apresentar-se em cada cenário de forma muito mais estratégica do que foi 2024. Isso porque há mais condições diplomáticas que possibilitem atenuar conflitos entre nações e até, quem sabe, evitar que se iniciem. Além do signo, a Astrologia Chinesa interpreta a energia de cada ano a partir de arquétipos de 5 Movimentos do Qi, conhecidos como 5 Elementos ou Wu Xing. No Ano Novo Chinês 2025, a energia predominante será a da Madeira Yin, que ficará mais forte nos primeiros 6 meses do ano, criando um ambiente propício para o autocuidado e a exploração de novas possibilidades.
Elemento Madeira
A Madeira também tem uma forte ligação com a saúde e o bem-estar. Este elemento promove a cura e a vitalidade, sugerindo que as pessoas devem prestar atenção à saúde física e emocional. Ao longo do Ano da Serpente, teremos a energia de outros elementos: De agosto a outubro: Elemento Fogo estimula a criatividade e traz força para sua imagem. De outubro a dezembro: Elemento Metal traz clareza e estratégia, favorecendo a tomada de decisões e o planejamento eficaz. De dezembro a fevereiro de 2026: Elemento Terra proporciona estabilidade e cuidado, ideal para refletir sobre as escolhas feitas ao longo do ano e consolidar aprendizados.
Polaridade Yin
À Serpente e à Madeira, somamos a polaridade Yin. Enquanto o Yang está relacionado à luz, ao calor e à ação, o Yin é associado à escuridão, ao frio e à reflexão. No contexto do Ano da Serpente, a energia Yin sugere um período de introspecção e autoconhecimento. Por isso, em 2025, essa polaridade convida todos a olharem para dentro de si, explorando suas emoções e
pensamentos mais profundos. Além disso, a energia Yin se relaciona com os movimentos de manutenção e cuidado, enfatizando a importância de nutrir relacionamentos e conexões emocionais. Durante este ano, as interações com os outros serão fortalecidas quando baseadas na compreensão e na empatia.
A polaridade Yin também traz à tona a importância de cuidar do meio ambiente e da natureza. Com a influência da Madeira e do Yin, o Ano Novo Chinês 2025, alerta-se para que as pessoas sejam mais conscientes de seu impacto no planeta. Essa energia inspira-nos para agir de maneira sustentável e a valorizar a beleza do mundo natural ao nosso redor.
Como aproveitar a energia do Ano Novo da Serpente.
Para aproveitar ao máximo a energia do Ano da Serpente em 2025, é
fundamental abrir-se tanto para novos conhecimentos intelectuais quanto para experiências e práticas de autocuidado. Nesse sentido, foque-se em: Prática de meditação, Yoga, Exercícios físicos e Alimentação saudável
Adriana Di Lima (adrianadilima@gmail.com) – Professora e Consultora de Feng Shui e Astrologia Chinesa, agrega a Medicina e a Sabedoria Oriental Chinesa. In:
https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/horoscopo/ano-novo-chines-2025-o-ano-da- serpente,cd40f25dc7a0a266f4733333384032eapgl6ui6t.html
Entrevista do Presidente da Casa de Macau na TDM
Carlos Piteira: conceito de macaense “poderá evoluir”:
“…O Presidente da Casa de Macau em Lisboa defende que o conceito de macaense poderá evoluir nos próximos anos. Carlos Piteira considera que os chineses de Macau podem também vir a assumir-se como macaenses numa lógica de diferenciação na Grande Baía…”.
Veja a entrevista completa aqui ou clique na imagem. Pode também assistir a uma breve reportagem da TDM sobre as palavras do presidente aqui.
Deixamos aqui também uma outra reportagem da TDM sobre o encontro, onde constam declarações de alguns dos nossos sócios e do presidente. Clique na imagem abaixo para assistir.
Prémio Identidade 2024 – Instituto Internacional de Macau
No decorrer do Encontro dos macaenses na RAEM, nomeadamente na sessão cultural dinamizada pelo IIM, foi entregue o Prémio de identidade à nossa ilustre amiga de Macau e nossa sócia Drª Celina Veiga de Oliveira. Junto divulgamos o excelente texto da sua autoria a próposito desta nomeação mais que merecida.
IDENTIDADE E MACAU: Prémio Identidade 2024 – Instituto Internacional de Macau. Texto proferido no acto da entrega do galardão
É para mim uma coincidência de grande simbolismo receber o Prémio Identidade do Instituto Internacional de Macau, em Macau, no preciso momento em que aqui decorre o “Encontro das Comunidades Macaenses 2024”.
Este Encontro, é justo reconhecer, cimenta o conceito de pertença à terra onde muita gente nasceu e viveu um tempo da sua vida, tempo que deixou marcas profundas. De uma maneira geral, marcas felizes, porque ocorreram durante os anos da infância e da juventude, antes da partida para tantos lugares em busca de outros destinos.
Todos os indivíduos, todas as comunidades e todos os lugares têm identidade própria.Macau adquiriu ao longo dos séculos uma forte consciência identitária, construída porgerações de famílias que desde o século XVI aqui viveram e se multiplicaram. A identidade de Macau não é unívoca, é um processo dinâmico e relacional.
A amálgama de gentes, de credos, de costumes e de olhares que sempre aqui coexistiu deu a esta terra uma singularidade invulgar: um comportamento, não
totalmente português, não totalmente chinês, mas de Macau. O Encontro das Comunidades Macaenses é desta circunstância um vivo testemunho.
Gostaria de recordar um pequeno episódio pessoal que talvez ajude a explicar por que motivo Macau está sempre tão presente nos corações até de quem para aqui veio viver já em idade adulta. Muitos se devem recordar da frase “Quem bebe água do Lilau, ou fica, ou volta a Macau”.
Nos finais da década de 80 do século passado, o jornal Tribuna de Macau, à época semanário, instituiu uma espécie de entrevista em que certas pessoas eram convidadas a responderem a um modelo fixo de questões. Calhou-me também participar nesse questionário e lembro-me bem da resposta que dei à primeira pergunta sobre a influência da água do Lilau em cada um de nós.
Dizia eu: Quando cheguei a Macau – há quantos anos! – já a fonte não tinha água. Mas sinto-lhe os efeitos: umas raízes bem fundas que não me deixam ser só de Portugal. A divisão dos afectos é um dilema que acompanha quem aqui viveu, fazendo deste chão o seu próprio lar. Sou também de cá, mas não vivo cá, e, tal como todos os que vivemespalhados por diversas partes do mundo, identifico-me com este lugar.
As questões da identidade macaense, tema sempre em aberto, são, por isso, estudadas einterpretadas por personalidades que aqui nasceram ou aqui viveram e por académicos de diferentes percursos intelectuais.
Neste Encontro das Comunidades Macaenses, muitos, com as suas vivências,percepções e trajectórias sociais, falariam melhor sobre a identidade macaense. Seriapor isso estimulante conhecer reflexões que reforçassem este conceito, um valor em permanente construção.
Ao Instituto Internacional de Macau, na pessoa do seu Presidente Dr. Jorge Rangel, agradeço a atribuição do Prémio Identidade. Aos participantes deste Encontro, que as próximas gerações se revejam na identidade macaense e a fortaleçam. E a todos os que sentem a Cidade do Nome de Deus como parte de si, que a água do Lilau continue a correr em todos vós, em todos nós.
Muito obrigada.
Celina Veiga de Oliveira
Os nossos eventos recentes
Recebemos a visita dos Dóci Papiaçam di Macau e o lançamento do livro de J.J. Monteiro. Realizámos o nosso habitual Chá Gordo de Natal em Dezembro e, já em 2025, a nossa terceira edição dos almoços convívio dedicados ao Minchi. Podem consultar os registos vídeo de todos esses eventos clicando nas imagens abaixo.
Visita e Espectáculo do Coro Dóci Papiaçám di Macau, Casa de Macau de Portugal, Outubro 2024
Homenagem ao poeta popular J.J. Monteiro, Outubro 2024
Chá Gordo de Natal, Dezembro 2024
Há Minchi! Janeiro 2025
Macau visto por…
Maria João dos Santos Ferreira
Sou uma afortunada! A Casa da minha infância ainda existe, embora seja, desde 1989, o Conservatório de Macau. Mas permite-me revisitar e recordar a infância e a adolescência aí vividas. Foram tempos maravilhosos que não me canso de recordar, sempre que vou a Macau.
Ia a pé para a escola, desde a “escola infantil”, hoje conhecida por “Jardim de Infância Dom José da Costa Nunes”, até a “Escola Primária Oficial Pedro Nolasco da Silva” que, desde 1994, se passou a designar Escola Secundária Luso-Chinesa de Luís Gonzaga Gomes.
Tive colegas que me acompanharam até ao fim do Liceu, e outros que seguiram para a Escola Comercial. Ainda hoje, quando vou a Macau, me reúno com colegas desses tempos. Faz bem à alma!
O tempo era todo muito preenchido: desde as brincadeiras com amigas da escola, às brincadeiras com primas, andando de uma casa para outra; hoje, em nossa casa, amanhã na casa de outras. Até havia o hábito de, por telefone (não havia telemóvel), se combinar as roupas a usar, para emparelharmos.
Já com 13-15 anos, aos sábados, juntávamos (eu e a minha irmã Fátima) com duas irmãs amigas e fazíamos um bolo. Abria-se ao acaso o livro de receitas da nossa mãe, e executava-se a receita que surgisse. Depois, com o bolo devidamente acondicionado, íamos “alugar bicicletas”, rumo ao Porto Exterior lanchar o nosso bolo, perto de um local onde pudéssemos comprar bebidas, na época dizíamos “gasosas”.
Em finais de 1990, fiz uma comissão de serviço em Macau, e tive a enorme satisfação de poder proporcionar aulas de ballet à minha filha mais nova, na casa onde tinham vivido a sua mãe, os tios e os avós. Ainda assisti a um sarau realizado pelos alunos do Conservatório, na minha antiga sala de jantar!
Um dia, a sua professora de ballet decidiu fazer uma espécie de enquadramento do Conservatório a crianças de 6-7 anos. Começou por dizer que aquela tinha sido a casa de uma família importante de Macau, ao que a minha filha disse que tinha sido a casa dos seus avós maternos. Com a máxima ligeireza, a professora disse-lhe que não dissesse disparates. Perante a insistência da criança, a professora perguntou como se chamavam os avós. E eu? Fiquei feliz!
Consegui passar à minha filha um pouco da história de família, aliada a uma espécie de herança cultural. Apesar de não ter tido uma vivência muito “macaísta”, desde cedo percebeu que, em nossa casa, se respirava Macau! Desde os móveis e bibelots à comida, a nossa casa era diferente.
Foi importante o convívio com o tio Adé, que ficou para a história como sendo o único poeta e escritor que escrevia exclusivamente em patuá. O tio Adé que mimava os miúdos da família com brinquedos e presenteava os graúdos com escritos seus, desde um livro a um simples cartão de Boas-Festas de Natal.
Assim, em família, a minha filha começou a conviver com o patuá e a gastronomia macaense. Posso dizer que o convívio com sua herança macaense começou cedo, aos 5 anos, pese embora hoje não lhe dedique muito do seu tempo.
Porém, há um factor identitário irresistível! O minchi! Na sua casa, o minchi é uma presença assídua importante.
E, num abrir e fechar de olhos, o minchi já faz parte da 5ª geração dos Santos Ferreira, dos descendentes do Francisco e da Florentina.
Notas Soltas Sobre a Nossa Gastronomia
Minchi – A influência do intercâmbio luso japonês 1 Texto de Manuel Fernandes Rodrigues.
Minchi, prato tipicamente Macaense cuja origem remonta ao século XVI da expansão portuguesa no Oriente. É uma receita com múltiplas variações assente numa base de carne picada2, cebola e batata em cubos frita, temperado com molho de soja, com ou sem ovo a cavalo.
Pensa-se que a receita poderá ter origem numa qualquer receita de minced meat de origem inglesa e até ao bife com batatas fritas com ovo a cavalo português que na sua passagem pela Índia poderia se ter deturpado e transformado em minchi.
O étimo minchi ou minche não ocorre nem nos textos em crioulo, nem parece ter sido usado no indo português (Batalha,1988).
No que concerne a sua origem e referente ao étimo, há autores que indicam que o étimo poderá ter originado no inglês minced meat, carne picada. É de notar que o termo minced meat como prato culinário só entrou no vocabulário inglês nos finais do século XIX3, e no mundo anglo saxónico o termo utilizado para a carne picada continua a ser ground meat.
Uma segunda hipótese da origem da receita do minchi baseava-se no bife com ovo a cavalo e batatas fritas (hipótese da analogia dos ingredientes) que parece pouco provável pois o uso do bife como tal não fazia parte da cozinha popular portuguesa até ao século XX devido ao custo económico elevado para a população em geral e à técnica da sua confecção. Ademais, a peça da carne para o bife provém da parte nobre da carcaça do animal (carne mais tenra), enquanto que a carne do minchi provém das partes menos nobres (mais duras) e de preço mais económico, razão de picar a carne para a tornar mais tenra.
O étimo do Minchi não é mencionado no patuá, não vem de nenhuma fonte indo malaco português, nem do português e nem provém de uma derivação do inglês.
Tendo em consideração que a culinária macaense assenta em duas correntes históricas que são a indo /malaco/português e a sino/japonês/português (Coates,1978), que influenciaram o conteúdo e a técnica de cozinhar, daí a terceira hipótese que o Minchi é uma adaptação de uma receita tradicional japonesa trazida pelos cristãos japoneses aquando da sua expulsão do Japão no século XVII/XVIII.
No século XVI Macau era a via de acesso dos ocidentais ao Japão (Costa,1999), país governado por dezenas de senhores feudais daimyô empenhados numa guerra civil (sengoku jidai). A chegada dos jesuítas vindos de Macau coincide com o fim deste período e o príncípio da reunificação política iniciada pelo Xogun Oda Nobunaga.
Neste período de guerra e perseguições dos cristãos japoneses , a população cristã era superior a 300 000 pessoas (Coates,1993), desenvolveram-se práticas de convívio e de identificação que se extenderam a todos os domínios da vida quotidiana no Japão e adquiriram-se novos hábitos alimentares (Costa,1999).
Foram introduzidos novos métodos de cozinhar e desenvolveu-se uma nova cozinha com novos ingredientes (Kobayashi:1985) trazidos pelos portugueses e outros europeus conhecida como Namban-ryori (Boxer,1993) ( a cozinha dos bárbaros do sul) que entrou para a cozinha japonesa e se transformou na cozinha tradicional japonesa. O guisado/esturgido de carne com batata e cebola (niku jaga), o bolo castela, a tempura, o escabeche de carapau (namban- zuke) os biscoitos e o pão (pan) são exemplos dessa cozinha entre muitos outros pratos.
Pelo Édito de 1614 o Shôgun Tokugawa Ieyasu expulsou os jesuítas do Japão e todos os cristãos que não apostatassem a doutrina cristã (Coutinho,1999). Em 1627 cinco nobres cristãos japoneses foram entregues aos portugueses com a obrigação destes os levarem a Macau. Novamente em 1636 a população japonesa em Macau4 aumenta com a chegada de 287 mulheres e crianças (Teixeira,1993) desterradas do Japão, um aumento substancial tendo em conta que a população portuguesa “casado morador” era na época cerca de 1700 pessoas.
“ Os casados que tem esta cidade são oitocentos cinquenta Portugueses e outros tantos casados entre naturais da terra, chinas cristãos e outras nações” descrito pelo cronista António Bocarro” (Subrahmanyanm,1993,222).
O namban-ryori chega a Macau trazido pelos cristão japoneses que se refugiaram em Macau5 onde construiram a Igreja de Madre de Deus (Teixeira,1993) conhecida como Igreja de S. Paulo. Era uma receita de guisado ou esturgido de carne cortada em tiras ou em cubos pequenos com cebola e batata , o Niku Jaga que é hoje considerado no Japão como uma receita tradicional japonesa (Arimoto,2010). É de notar que a batata só entra na culinária dos japoneses com a chegada dos europeus, nomeadamente os jesuitas portugueses em 1549.
O Niku Jaga dos desterrados japoneses passou a ser cozinhado também pela população macaense mais carenciada tendo em conta a simplicidade da receita, o baixo custo que permitia “fazer render”o prato caso aparecessem mais pessoas para a refeição e a facilidade de utilização dos produtos e temperos mais variados sem perda da sua singularidade.
Nas povoações ou bairros mais modestos situados no Baixo Monte, Bombeiro, Barra, Mainato, Patane que circundavam a cidade cristã (Brazão,1957) e do Campo (Ljungstedt,1992) conhecidos como Bairro da Horta da Mitra-Chók-Chei-In, São Lázaro6, Mong-Há, Areia Preta-Há-Sá- Wan, Fat-Chi- Kei etc…) onde a língua usada era uma mistura do patuá e chinês, o Niku Jaga torna-se conhecido como “Mân-Chi-Iôk” (estufado de carne de porco em chinês) que se deturpou em “mân-chi” e depois em “minchi”.
A fundação de Hong Kong em 1842 contribuiu para o declínio económico de Macau (Jesus,1926) forçando sucessivas vagas de imigração dos macaenses para Hong Kong e depois para Shanghai. O minchi é levado na diáspora e teve um papel fundamental na difícil adaptação dos macaenses imigrados e na formação dessas novas comunidades. Em simultâneo, o declínio económico e a imigração afectou o ambiente das casas macaenses mais abastadas onde as criadas chinesas, as “ahmá”, cuja a língua de comunicação era o chinês e não o patuá , dominavam na cozinha. O “Mân Chi ”ou Minchi foi absorvido e adaptado pela restante população macaense mais abastada dos bairros de Santo António, São Lourenço etc .
O Minchi retrata o enorme intercâmbio luso japonês iniciada com a Nao do Trato:
“The Portuguese carracks were the largest vessels in the world at that time that carried out the annual voyage between Macau and Nagasaki” (Boxer,1988,13)
E passa pela persecussão e desterro dos cristãos levada a cabo pelo Xogun Tokugawa Ieyasu após a vitória na batalha de Sekigahara em 1600, continua com as sucessivas vagas de imigração dos macaenses para Hong Kong e Shanghai no século XIX e termina nos anos 70 do século XX com a imigração para a Austrália, Brasil, Canadá e Estados Unidos. O Minchi reflete a elevação dos desterrados e dos esquecidos na formação singular da etnia macaense. Daí a presença incontornável do minchi e do arroz branco na ementa de festa7 relembrando o percurso dos antepassados dos macaenses.
1 Excertos extraídos da obra de: Rodrigues, Manuel Fernandes, «História da gastronomia macaense», Lisboa, Edições MGI, 2018, págs 158 a 163
2 Carne de porco nas receitas mais antigas devido à facilidade de obtenção e preço. Posteriormente utilizou-se porco misturado com vaca ou só vaca.
3 The Oxford Dictionary of English states that minced meat as a dish was used from the end of XIX century.
4 Em 1564 já haviam japoneses a residir em Macau. Despacho de 1564 do Vice-Rei Tchèong Meng-Kóng “ordenando a expulsão dos japoneses para o mar” Tcheong-U-Lâm e Ian-Kuong-Iâm “Ou-Mun Kei-Leok” (Monografia de Macau) traduzido do original chinês por Luís G. Gomes 1950 p. 108 e seguido pela “Chapa nº10-Decreto de Vanlie Imperador 1º dela China dirigido a Macáo o anno de 1579, para que os moradores desta Cidade não criem Japoens”. Manuel Múrias (1988) “Instrução para o Bispo de Pequim E OUTROS DOCUMENTOS PARA A HISTÓRIA DE MACAU”.
5 “Por decreto imperial de 1637 os súbditos japoneses que emigrassem ou voltassem do estrangeiro incorriam na pena de morte. Os portugueses e as suas famílias banidas para Macau e os que regressassem ou mandassem qualquer carta do estrangeiro, sofreriam a morte juntamente com as suas famílias e intercessores”. C.A. Montalto de Jesus (1926) “Macau Histórico”.
6 A Igreja de Nossa Senhora da Esperança, mais conhecida por S. Lázaro construída em 1558-1560 ficava localizada na “fértil planice de Tap-Sec, ambundante em águas nascentes, estava bem indicada para centro da populaçao rural; mas pouco depois era a igreja da restante população chinesa, pois já em 1818, rodeavan na 98 casas de cristãos. Eram porém habitações pobres, como eram os seus inquilinos”. Artigo do Pe Manuel Teixeira (1956) publicado na Revista “Religião e Pátria” e republicado no “Macau” Boletim Informativo da Repartição Provincial dos Serviços de Economia e Estatística Geral-Secção de Propaganda e Turismo. Ano IV, nº 80 de 30.11.1956 p. 4-5
7 Esta tradição é semelhante à tradição confucionista de incorporar na ementa dos banquetes um prato humilde, o peixe salgado, para lembrar aos convidados para não se esquecerem das incertezas da vida.
Um prato à nossa escolha
A minha receita de minchi (Por Maria João dos Santos Ferreira).
Comece por descascar 500 gramas de batatas e cortá-las em cubos pequenos. Em seguida, marine 500 gramas de carne de porco picada e 500 gramas de carne de vaca picada com cebola e dentes de alho picados, um fio de óleo e um fio de molho de soja claro e escuro. Frite as batatas em óleo e reserve.
Depois, em um tacho ou wok, salteie a carne marinada em azeite (ou óleo), deixando cozinhar por 10 minutos em lume forte, mexendo sempre. Para realçar o sabor, pode incluir uma colher de chá de molho têk-iao ou substituí-lo por açúcar ou mel, se preferir. Rectifique os temperos e adicione os cubos de batatas fritos, misturando tudo. Sirva acompanhado de arroz branco.
Um poema por nossa conta
KUNG HEI FAT CHOI OU MUN (Ano Novo Lunar)
Poema: Fernando Sales Lopes (poeta de Macau)
Kung hei, Kung Hei, Kung hei fat Choi
É o sorriso que nos une, quando esqueces o futuro e com um ar gaiato, desejas felicidade
que queres para ti
A riqueza que tens em ti
A riqueza que tens em ti
E a longevidade que sabes Ambos queremos para ti
Kung hei, Kung Hei, Kung hei fat Choi
Lopes, Fernando Sales, Macau, Edição Livros do Oriente, Extratextos, 1997, pág. 47
A nossa biblioteca: Um livro por mês na nossa sala de entrada
Por forma a divulgar e proporcionar aos nossos sócios o acesso e a consulta a algumas das obras da nossa mitigada (mas substantiva) biblioteca divulgaremos por cada mês uma (ou duas) das obras disponíveis, ora para conhecimento, ora para consulta na nossa sala de entrada ou mesmo para compra caso haja viabilidade.
Para o mês de Janeiro estará disponivel o livro de JJMonteiro «Vulgaridades Chinesas», também disponivel para compra no secretariado da Casa.
Em Fevereiro, disponibilizamos também o livro «Mergulho de Alma» da nossa poetisa Carolina de Jesus com poemas da nossa Macau, esta obra não está disponível para venda (salvo se a autora o quiser promover) mas ficará
disponível para leitura se tiver alguns minutos para passar pela nossa sala de estar.
Património da Casa
Painel «Generosidade e Altruísmo»
Oferta da Associação Macau You Man de Gangzhou à Casa de Macau Tapeçaria ilustrativa da tradição chinesa de reconhecimento do
trabalho associativo em prol da comunidade.
Ser Sócio da Casa de Macau
Se ainda não são sócios da Casa de Macau, considerem a possibilidade de o ser. A quotização é apenas de €6 por mês caso optem pelo plano anual, tendo ainda desconto para +65 e estudantes. Podem encontrar toda a informação
aqui, assim como o formulário necessário ao pedido. Mais informações através do nosso mail e do telefone 218 495 342. Todos são bem-vindos à Casa de Macau!
In memoriam: Vasco Rocha Vieira ( Agosto 1939-Janeiro 2025)
“A memória colectiva guarda a imagem de Vasco Rocha Vieira com a bandeira nacional colada ao peito, em 19 de Dezembro de 1999, a poucas horas do retorno de Macau à soberania da República Popular da China, expressão de um processo de transição bem sucedido e último acto de uma governação que constitui um ponto alto da história de Portugal e motivo de orgulho para os Portugueses”.
(In Vasco Rocha Vieira – Todos os Portos a Que Cheguei, Pedro Vieira)
Terminamos assim a terceira edição do nosso boletim com renovadas saudações macaenses para todos, e desejos de que continuem a acompanhar-nos através deste e de outros meios de comunicação, convidando- vos também a reencaminharem este e-mail para os vossos amigos e conhecidos. Espreitem e sigam as nossas páginas de Facebook, Instagram,
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